sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Missa de finados marca compromisso com a vida

Por Daniel Gomes, pela Pascom Brasilândia

“Aqui os ditadores tentaram esconder os desaparecidos políticos, as vítimas da fome, da violência, do Estado policial, dos esquadrões da morte e sobre tudo os direitos dos cidadãos pobres da cidade de São Paulo. Fica registrado que os crimes contra a liberdade serão sempre descobertos”.

A frase acima consta no Memorial da Vala de Perus, inaugurado em agosto de 1993, sobre a vala comum no cemitério Dom Bosco, em Perus, onde foram encontrados em 04 de setembro de 1990, 1574 corpos de desaparecidos políticos e indigentes, incluindo os restos mortais de cerca de 500 crianças.

Para celebrar a vida e evitar que a brutalidade cometida durante a ditadura militar caia no esquecimento, mais de 400 pessoas participaram, na terça-feira, 2 de novembro, de uma missa em memória aos fieis defuntos em frente ao Memorial da Vala de Perus. A celebração, organizada pelas paróquias do setor Perus, foi presidida por dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo emérito de Blumenau, e concelebrada pelo diácono Antônio Campeiro Ferreira, e pelos padres Rodrigo Pires Vilela da Silva, Léo Muitjens, José Aécio Cordeiro, Matheus Vroemen e Júlio Lancellotti.

Um grupo de leigos atuantes no setor Perus fez a acolhida dos que se aproximavam do espaço de celebração Todos foram convidados a anotar os nomes dos entes falecidos e recebiam o folheto com as canções da missa. Um pouco antes da missa começar, já era possível perceber a representatividade de todas as idades na missa, com crianças, jovens, adultos e idosos no gramado próximo ao Memorial da Vala de Perus

Dom Angélico destacou que os cristãos capazes de celebrar no cemitério reafirmavam a fé na ressurreição em Jesus. Ele também falou do significado de uma missa próxima à vala comum. “Estamos aqui à beira da vala comum, o que faz do cemitério de Perus emblemático para o Brasil porque para cá foram trazidos homens e mulheres que lutaram contra a ditadura militar e vítimas de violência. É um marco que nos lembra que precisamos valorizar o dom da vida em toda a sua dimensão. Essa celebração nos lembra da necessidade que temos de não colocar aqui nossa morada, pois estamos a caminho de uma morada permanente para aonde Deus está nos atraindo, que é a eternidade feliz, onde seremos acolhidos na misericórdia de Deus”, apontou.

Durante a homilia, o bispo emérito de Blumenau lembrou ainda que no cemitério Dom Bosco estão sepultados muitos moradores de rua, além das vítimas da ditadura militar, pessoas que foram esquecidos pela história enquanto alguns torturadores viraram nome de ruas, avenidas e até de cidades. “Essa vala comum, que lembra os heróis da resistência, deve ficar sempre em nossa memória, assim como as sepulturas dos moradores de rua que aqui estão enterrados”, conclamou.

Antes da missa, integrantes das CEBs na Brasilândia e agentes da Pastoral do Povo de Rua realizaram um momento de oração próximo aos túmulos de cinco moradores de rua assassinados em agosto de 2004 na cidade de São Paulo. “Esse cemitério também é dos pobres e dos esquecidos. Nós rezamos nas sepulturas dos moradores de rua para nos comprometermos com aqueles que ainda estão pelas ruas de nossa cidade, para que tenham vida com dignidade, com seus direitos respeitados”, destacou o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo da Rua.
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Desde 2004, os túmulos são zelados pelas CEBs do setor Perus e pelo Centro de Direitos Humanos. A pastoral conseguiu junto a prefeitura autorização para que não haja exumação dos restos mortais, procedimento comum após cinco anos do sepultamento.

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